Héctor Dionisio Pérez, embaixador da República
Dominicana no Brasil
Jornal brasileiro O Estado de S. Paulo
No último dia 3 de novembro, o
célebre Prêmio Nobel Mario Vargas Llosa escreveu um artigo no prestigioso jornal
brasileiro O Estado de S. Paulo, intitulado "Os
Párias do Caribe", contra a República Dominicana.
Sua opinião, claramente alarmista, se fundamenta basicamente na sua rejeição
a um sentença judicial emitida pelo mais alto tribunal da nação, o Tribunal
Constitucional da República Dominicana. Essa sentença define clara e
soberanamente o critério pelos quais se adquire a nacionalidade dominicana.
Para que a sociedade brasileira seja informada a respeito, é necessário
explicar aqui o alcance da normativa legal em que o mais alto tribunal do país
embasou seu argumento para emitir a sentença, nº 0168/13, do último 23 de
setembro.
A nacionalidade dominicana. A sentença declara o seguinte
sobre a nacionalidade dominicana: "Todas as pessoas que nascem em território
dominicano são dominicano(a)s, com exceção dos filhos de diplomatas ou os
estrangeiros que se encontram em trânsito no país".
Trânsito. Não se deve confundir o conceito de transeunte com
o conceito de trânsito na normativa jurídica dominicana; transeunte é aquele que
está de passagem no país, continuando para outro destino; trânsito é aquele
estrangeiro que está no país mas não é residente legal, isto é, é um não
residente legal. Em consequência, os filhos de pessoas em trânsito no país não
têm direito à nacionalidade dominicana ao nascer; ademais, não adquirem
nacionalidade dominicana aqueles estrangeiros irregulares ou ilegais residindo
no país que violaram o conceito de trânsito por décadas. Este é o aspecto
jurídico que com maior transparência foi aplicado no Tribunal
Constitucional.
Não Retroatividade da Lei. Todas as constituições
dominicanas desde o ano 1929 até a mais recente, de 2010, estabelecem o mesmo
critério para a aquisição da nacionalidade dominicana; isto é, essa regra
aparece nas constituições de 1929, 1934, 1942, e 1947, 1959, 1960, 1961, 1962,
1963, 1966, 1994 e 2002; e, finalmente, aparece na mais recente de 25 de janeiro
de 2010. A sentença ordena vários mandatos, entre os quais se encontram,
primeiro, realizar um inventário de todo o Registro Civil da República
Dominicana, onde estão inscritos os nascimentos dos filhos de pais estrangeiros,
ocorridos no país desde 1929 até esta data; ademais, de implementação de um
plano nacional de regularização de estrangeiros irregulares no país. O que
queremos é regularizar o status dos estrangeiros vivendo no país através de um
processo transparente e que consigamos inseri-los diariamente na sociedade
dominicana.
Quantidade Registrada. O inventário realizado pelo órgão
responsável pelo Registro Civil no país, a Junta Central Eleitoral, encontrou
que registrados oficialmente nos livros-registros de nascimento, desde 1929 até
esta data, há 53.847 pessoas inscritas de mães ou pais estrangeiros. Desses,
somente 13.672 são cidadãos haitianos considerados não-residentes legais. Se os
cidadãos haitianos demonstram sua legalidade no país como residente de ao menos
um dos pais, seus filhos são dominicanos, ao contrário, não. Poderão adquirir
sua residência temporal e/ou permanente de acordo com as leis dominicanas e
viver tranquilamente no país.
Há mais de um milhão de cidadãos haitianos no nosso país.
Ninguém sabe ao certo quantos cidadãos haitianos vivem na República
Dominicana. Uma pesquisa no ano passado estimou em mais de 600 mil; outros
estimam em mais de um milhão. É uma migração desordenada, de todos os dias.
Temos uma fronteira terrestre de mais de 380 quilômetros. É um grande problema
social para nosso país. Impossível de se controlar de maneira absoluta.
Migração desordenada por décadas. Senhor Mario, não espere
você que um cidadão haitiano que cruze a fronteira hoje, amanhã, demande a
nacionalidade dominicana e, segundo seu ponto de vista, senhor Mario, obrigue o
Estado Dominicano a concedê-la; que uma mulher haitiana com 7 ou 8 meses de
gravidez cruze a fronteira com seu companheiro buscando, desesperadamente,
atenção médica, a que é oferecida gratuitamente em nossos hospitais públicos do
país, espera você que essa criança que nasceu no nosso território seja inscrito
como cidadão dominicano nos livros de registro civil nacional. Sr. Mario, isso é
impossível.
A parte humana da nacionalidade. O conceito de nacionalidade
está vinculado à pessoa, seus direitos, com a base jurídica estabelecida na
Constituição e nas leis da República, isto é, que a nacionalidade é um assunto
que tem que existir um vínculo jurídico e outro sociológico, especialmente no
que concerne à pessoa, a seu direito humano; estamos conscientes, Sr. Mario,
desta situação; o Excelentíssimo senhor Presidente da República Dominicana,
Danilo Medina, ao avaliar o impacto da sentença do nosso Tribunal
Constitucional, expressou sua responsabilidade em acatar totalmente a sentença
como poder Executivo, mas também disse que nela existe um problema humano que
temos que resolver, provocado por essa migração desordenada; queremos nos
assegurar que, ao aplicar a mesma, levaremos em consideração todos os aspectos
da pessoa humana, sempre dentro do marco constitucional e legal da República
Dominicana. Até mesmo, Sr. Mario, a ONU e a União Europeia têm se mostrado
dispostas a colaborar com essa implementação. Vamos atender nesse sentido, Sr.
Mario, para trazer calma a seu espírito.
Não demonstrou legalidade parente o Tribunal. No caso de
Juliana Deguis Pierre, com a qual Sr. Mario inicia seu artigo contra a República
Dominicana, em nenhum sentido foi retirada a sua nacionalidade; a jovem Juliana
não podia demonstrar legalmente ao Tribunal Constitucional que ao menos um de
seus pais estivesse legal no momento de seu nascimento. O Tribunal ordenou que
um tribunal competente determinasse a validez ou não de seu certidão de
nascimento; foi concedida a residência temporal para que ela realizasse seus
assuntos cotidianos normalmente.
A ameaça do senhor Mario. Muito estranho, senhor Mario, que
você nos ameaça como país, promovendo inadequadamente que sejam condenados pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos, simplesmente por ter decidido
soberanamente como país, quem é, ou não é dominicano ou dominicana, ao momento
do seu nascimento; a verdade, Sr. Mario, é que essa ameaça é inaceitável.
Apátrida, não. Outra das acusações do Sr. Mario contra a
República Dominicana é que estamos convertendo em apátridas os filhos de
estrangeiros de origem haitiana nascidos em nosso país. O conceito de apátrida
se estabelece no direito dominicano da seguinte maneira: toda criança que nasce
em seu território é dominicano se não tem outra opção de adquirir uma cidadania
originária. No caso dos filhos de pais haitianos isso não se aplica,
simplesmente por que a constituição haitiana estabelece que toda criança de pais
haitianos nascidos no estrangeiro é haitiano de origem. Sr. Mario, tampouco
aplica esta acusação.
Julgamento impróprio. Coerente com seu exagero contra o
país, insulta nossos juízes do Tribunal Constitucional; usa absurdos como que
somos párias, cruéis, desumanos, hipócritas e se atreve a nos chamar de
nazistas. Nós não vamos tratar, um a um, desses epítetos desproporcionados,
embora temos argumento para fazê-lo. Você sabe muito bem que estes adjetivos não
qualificam o dominicano. Foi uma falta de tato, senhor Mario, chegar a tal
extremo com sentimentalismo desproporcionado. senhor Mario, rechaçamos seu
insulto tal como aberração contra nosso país, vindo de alguém de reconhecida
categoria social e intelectual, a quem o governo e o povo dominicano deu tanta
gratidão.
Respeito à diversidade. Lhe agrada a frase, senhor Mario,
que dois juízes votaram contra o argumento central da corte constitucional. Sr.
Mario, o Tribunal Constituição está composto por 13 juízes, dos quais 11 votaram
a favor da sentença, informação que você não citou no seu artigo. Os votos
dissidentes de dois juízes do nosso Tribunal revelam a solidez que está
alcançando o país em sua estrutura democrática e institucional, no que diz
respeito à minoria e à diversidade.
Solidariedade com os irmãos haitianos. O sistema de saúde da
República Dominicana prevê assistência universal gratuita sem requerer que os
pacientes apresentem documento de identidade; importante dizer aqui, Sr. Mario,
que, apesar de nossas limitações econômicas como país, em nossos hospitais
públicos, a nível nacional,13% de todos os partos realizados são para mães
haitianas, além de oferecer a todos consultas médicas gratuitas; só para isso o
Estado Dominicano dispõe de 70 milhões de dólares por ano. Na educação, o nosso
sistema não exige documentação legal para que eles assistam a nossas escolas
públicas, e gastamos milhões de dólares nessa política pública de país para
nossos irmãos haitianos.
Exatidão da informação. Finalmente, senhor. Mario, suas
conclusões revelam falta de informação veraz, somado a evidente intolerância de
seus preconceitos, condenando um país cujo único objetivo é avançar
institucional, econômica, social e sustentavelmente de todos os que vivem em
território dominicano, incluindo os ilegais, respeitando sempre os direitos
humanos. Por isso acreditamos, Sr. Mario, por isso eu considero um sofisma de
baixo nível, seu doloroso artigo.
Jornal brasileiro O Estado de S. Paulo
19 de novembro de 2013 Jornal brasileiro O Estado de S. Paulo
No hay comentarios:
Publicar un comentario